SOB CONTROLE II

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Não, isso de se apegar a um controle remoto sobrevivente de um grave acidente, definitivamente não é loucura nem carência. Se não me engano, é assim mesmo que as pessoas normais agem. No decorrer da vida vão se apegando a coisas. Vão amando e se comprometendo a ponto de sacrificar tempo e espaço a fim de preservá-las. Sim, eu sei bem que pessoas são mais importantes que coisas. É que estou aqui me referindo ao cuidado, zelo e carinho que temos por alguns objetos que guardam na mais pura essência de ser inanimado, fraguimentos da nossa história, lembranças de pessoas queridas ou momentos importantes em nossas vidas. Guardo uma jarra de porcelana que lembra minha mãe e como ela gostava de enfeitar a casa. Comprei um cd do Balão Mágico de mil novecentos e antigamente por pura nostalgia, por me fazer lembrar de bons momentos da infância e até mesmo para copiar o gesto de minha mãe quando na época comprou um LP pra nós. Assim, vou compreendendo o que nunca havia entendido, porque algumas vovós tem na cristaleira louças que não permitem que sejam usadas nunca, jamais! Acho que é para não apagar preciosas lembranças quando forem lavadas. Dá também pra entender aquele vestido fora de moda, que se insiste em usar, porque o prazer a que se remete vale o desdém dos que não perdoam um erro de escolha. Ah, e não se pode deixar de falar também nos cheiros, nos perfumes e sua capacidade insuperável de despertar em instantes a mais remota das lembranças. E o que mais impressiona é que dependendo do cheiro, pode nos aguçar tanto a memória a ponto de lembrarmos com riqueza de detalhes, sentimentos a muito perdidos no tempo. Cheiro de boneca nova!! Meu Deus, que alegria! Como não ficar feliz e lembrar o quanto a vida é bela e generosa quando se sente um cheiro de boneca nova. Lembro-me de um natal que não havia a menor chance de ganhar presente. Mesmo muito criança eu já sabia. E é assim mesmo quando não se tem. Agente não tem, sabe e fica quieto, não dá chilique, não entra em depressão, a gente passa a compreender mais do que questionar. Mas incrível é que no dia de natal, minha mãe mandou a gente dá uma olhada em baixo da cama. De uma forma que eu nunca soube como foi, haviam pacotes de presentes para cada um dos seis filhos. Eram caminhõezinhos de plástico recheados com balinhas! Foi um dos momentos mais felizes da minha infância.
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