UM DIA

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Um dia, quando pensei que era o fim do mundo e o fim de tudo, acordei assustada com um diagnóstico como quem se apavorasse com um telejornal avisando da bomba atômica. Fiquei atônita e silenciosa. E não podia fazer alarde e a culpa era de ninguém. Não chorava pra não avaliar ainda mais a delicada imunidade.
E pensando que era o início do fim, percebi que havia acontecido o início de tudo e todos para mim, porque  quando as perdas são irreparáveis é que o valor que cada coisa tem se sobre sai. Foi a partir de então que o dia amanheceu ainda mais belo e desejável e a noite escura, fria ou quente, era a mais linda que havia. E já não irritava o trânsito externo e o metrô em seus trilhos de ferro e nem tão pouco as marteladas da civilização. E era como música as crianças em gritos de vida no parquinho do prédio.
Em dias em que tudo pareceu-me tão grave, a graça ocorreu com mais facilidade e a tolerância tornou-se um patrimônio valioso. Quando os dias futuros se mostraram assim, inatingíveis, caminhar foi uma forma de buscar alongar a existência e não desejei coisas e marcas ou sucesso, só e apenas uma oportunidade.
Um dia quando pensei que era o fim de tudo e esse tudo era o meu mundo, testemunhei como testemunhamos todos os dias o sol nascendo e alargando seus raios em abraços calorosos, o reinício da vida. Da minha vida.
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MEDIDA

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É quando me dou a certas percepções secundárias que deixo as coisas importantes em desordem verdadeira. Há tantas coisas que não são de todo importantes. Importante é o café posto à mesa, a lição de casa e a benção diária. Mas percebo também o amparo que significa, porque preciso do pão, da lição e da benção. No entanto, a porção que me dita também necessita do não importante e isso implica intenção, doação, entrega, do que hoje sou escassa.
Mas há de se ter um tempo e dentro do tempo um caminho. Afinal, não é bem assim a vida? Fazer caber dentro de uma medida uma imensidão que não se explica. Que nem o coração que dentro dos seus limites acomoda tanto amor que não se imagina.
Mas já agora vou ser bem prática, então é assim que fica: o importante vem primeiro e o menos importante, mas intimamente necessário, deixo por derradeiro... assim diz a sabedoria.
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INSTANTE

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O momento que se chama agora, é o mais importante da vida. É tão breve, mas posso tocá-lo, é tão comum que posso ignorá-lo, é tão precioso, mas acontece de desperdiçá-lo. Mas não deve ser assim. Esse momento, é especial, pois nele contamos nossa história, escrevemos nas linhas do tempo e memória.
Eis uma bela forma de viver a vida, celebrando cada instante. Não, não é o caso de viver alienado, é o caso de viver de verdade. Não se trata de viver sem planejamento ou de abandonar o passado, mas sim de saber dosar a existência e isso se aprende com algum esforço.
O agora, normalmente é tratado sem muitos cuidados e empurrado pela força de ansiedades futuras. É assim que perdemos oportunidades ímpares de ser e fazer aqueles que nos rodeiam mais felizes. É assim que deixamos passar aquela palavra necessária, o apoio que alguém esperava e o favor que outro alguém nem esperava.

O presente pode estar embrulhado com laços e fitas ou não, mas de todo é uma dádiva. Saibamos vivenciá-lo, saibamos percebê-lo com o zelo necessário, com um sorriso, um afago, um abraço camarada e um olhar inovador sobre uma rotina caduca.
Usufruir deste presente do presente é colher da plantação de presentes passados e lançar a semente para presentes futuros. Que se tornem referências os ensinamentos do agora, lições que nos farão melhores, mais criativos e pacientes.
Minha oração é que neste presente, eu não me ausente, eu não me perca em buscas e lembranças que me amarram ao passado, que eu não devaneie em ansiedades futuras, mas que eu sinta a beleza de cada momento, do mais simples e rotineiro ao mais intenso e desafiador. Que a oportunidade de ser e construir algo melhor, instante a instante, seja abraçada por todos nós, agora e sempre. Amém.

PERCEBI

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Agora que tenho em mim as marcas da urgência da vida, me apego ao ser e estar e reunir e valorizar. Agora o minuto não me escapa e aprendi a ser toda ouvidos.
É que por tantas vezes queremos corrigir defeitos próprios e alheios que excedemos na borracha e apagamos traços importantes de conexão nos contornos da vida, e daí a própria convivência. Quem não convive não toca. Ninguém quer ou pode estar sem ser. Se uma das buscas da vida é o ser aceito, eu aceito ser e deixar ser. Eu aceito amar simplesmente por amar.
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BLA BLA BLÁ IV

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Ai que tenho um defeito esquisito, por ser defeito já se explica o esquisito, mas assim deixo para enfatizar. Eu sei que todo mundo tem defeitos, a perfeição é uma busca. Poucos a alcançam em algum momento da vida. Acho que é aí que se fazem os gênios, os santos.
Sou apaixonada pelo que é bem feito, perfeito, admiradora eterna de todos que ao menos em uma área da vida o experimentaram. Não estou falando da perfeição como a de Deus. Essa, por certo não se alcança. Mas falo da perfeição de um caminho correto, de escolhas certas. Do belo da arte, da maravilha de uma música clássica, e da ternura de uma bela canção de amor. A salvação da descoberta de uma vacina, do milagre cotidiano de um sorriso amigo. Amo a perfeição das metas alcançadas. Das boas metas, objetivos cumpridos. Por exemplo, as formaturas, isso para mim é o evento de uma vida, e não me lembro de ter participado de alguma sem que estivesse em lágrimas. Vejo nestes momentos, o resultado de um sonho, que não é como nos contos de fadas, mas sim alcançado com suor e lágrimas e cansaço e dedicação. É o encerramento de um ciclo maravilhoso da vida e acima de tudo, a largada para um futuro a ser construído e ainda a vontade de fazer diferença no mundo.
Mas voltando ao ponto de início, meu defeito que aqui compartilho e caso alguém sofra de tal mal, saiba que tem um semelhante sobre a face da terra.
Repare que investigando esse mal, em algum momento acreditei eu tratar-se de algum complexo, pois já de início preciso ficar atenta para que não se manifeste. Mas em outras avaliações, diagnostiquei como um lapso de contexto, mas não encontrei estudos que fundamentassem minhas suspeitas. Pensei até mesmo em barreiras psicossomáticas de relacionamentos... ham? quê ???. Enfim, fui percebendo aos poucos, que trata-se mesmo é de excesso de sinceridade e quando vejo o estrago já foi feito. Mas desde já adianto, nada premeditado, é espontaneidade demais e acrescento, à medida que avança a idade, o problema se agrava. Vejam que esses dias, falei para um poeta que eu não entendo nada de poesia. Acho que foi só insegurança. Claro que ele nunca mais puxou assunto comigo. Contei pra uma amiga um barraco que aprontei na rua, aí ela tomou doriu. Falei pra um rapaz que ele tava com caca no nariz. Ele saiu correndo e nunca mais voltou, quer dizer, nunca mais voltou ao normal. Claro que aqui digo apenas as coisas bobas, porque as sérias... Sobre as coisas sérias ainda não escrevo. Mas creiam-me sou do bem, só às vezes é que não me saiu tão bem assim.
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