NACIONALISMO DE GAVETA

Meu nacionalismo é de gaveta.
Mas sai pras temporadas.
Ele pula carnaval
Vai à copa do mundo
E vota em urna eletrônica
Em apenas 30 segundos

Meu nacionalismo
Só não tem tempo
Para se engajar na causa da escola
Ignora a arma engatilhada
Das salas vazias
E as mazelas e martírios daqueles
Que por oito ou até doze horas/dia
Ensinam aos nossos jovens
O sentido da cidadania

Meu nacionalismo é político
No mais baixo sentido
Sem causa ou ideologia
Político institucional
E como tal,
Disputa via manchetes de jornal
O ensino diário da sociedade
De tal forma
Ao que a escola forma
Tal instituição deforma

Meu nacionalismo de carnaval
Não denuncia o caos do hospital
Aqueles da rede pública
Rede de interesses
Infestada de descaso
De vias burocráticas
E corredores lotados

O meu nacionalismo
É ardente
Nos campeonatos locais,
Regionais, internacionais
E aos ais dos hospitais
Morte súbita nas filas,
E até o final da partida
São mais noventa minutos,
E mais centenas de vidas
Mais noventa, mais noventa...

Meu nacionalismo é burguês
Pinta a cara e desfila nas ruas
Participa de passeatas
Faz donativos
Inscreve-se em ONG´s
E volta pra casa
Com a sensação do dever cumprido

Meu nacionalismo é manso
Pois tem também o rabo preso
Tem dois pesos na balança
Pois o tio do tio do irmão
Da minha madrinha
Também tem cargo de confiança

Meu nacionalismo é covarde,
Não tem compromisso, é omisso
Não é militante, se cala
Não discute, consente
Aceita migalhas pré-estabelecidas
Não determina,
Não se indigna

Por isto em nota, procuro respostas
Para perguntas de base e fundamento

Como amar a pátria?
Cadê nossa identidade?
Onde estão nossos símbolos?
Como asceder coesão e desenvolvimento?
Quem são nossos representantes eleitos?
Quem acompanhou seus feitos?
Quem cobrou seu direito?

Disto posto,
Ainda a questão
Como torna-se nação?
Para deixar de ser povo
Cada um por si
Deus por todos
E fazer meu nacionalismo ser capaz
De defender os direitos primários
De investir no operário
De dar voz aos oprimidos
De batalhar suas causas
E arrancá-los do conformismo
Semeando a esperança
Promover a cidadania
Para colher uma sociedade
Mais justa, plena e sadia
Com a semeadura do entendimento
Na plantação do desenvovimento
No resguardo da soberania

(simone gois)

INVERSO VALOR

Seria o justo o tolo
E o crápula honesto ?
Projetos e esforços
Menor que a lei da aposta?

Seria tristeza cooperar
E à vida do próximo dar o aval?
O humilde é Zé
Incapaz capacho do Lau.

Seria feio trabalhar honestamente?
E vergonhoso ser idealista?
Causa estranheza o altruísmo?
Soa piegas tratar com a verdade?
E ter uma vida de dignidade
E dignificar assim o seu povo?

Tem coisa cheirando mal.
Os maus tomaram o poder.
Nós elegemos monstros
Pra conduzir e resolver.

Quem tem poder?
Poder pra quê?
Poder só pra corromper.

Corromperam a razão
Venderem a moral
Zombaram da verdade
Em bizarra letargia social

Viva a vida momentânea
Do êxtase do dinheiro fácil!
Do sangue sem valor
Que escorre do morro
Em gritos de horror.

E dos palácios construídos
Com mármores e vidros
Em conchavos vergonhosos
De políticos inescrupulosos
Que buscam poder...
Pelo preço que for

O justo se entristece
E o homem de bem range os dentes
Ao pranto do necessitado
E a fome das crianças magras
O terror do pai de família
Na mão de homens dementes

Filhos sois, políticos devassos
Do desterro e da maldição
Aves de rapina e carniça
A rir-se do sofrimento alheio

Hão de arder no inferno
Pelas vidas ceifadas
Em suas investidas imundas
Com estratégias desumanas
A atirar sem pudor e nem vergonha
O seu pais em cova profunda

Desse mar de infame e lama
Se ouvirá clamor e drama
Restarão vidas mutiladas
Aleijões de caráter e comportamento
Com sede de morte por sustento
Como fantasmas errantes
Com seus olhos flamejantes
Buscando também se impor
Batendo tão forte e covarde
Como a agressão que também sente

Qual será a paz de espírito
No dia em que os justos
Homens limpos de mãos e de mente
Tomando o poder com legitimidade
Lançar atrás das grades
A todo aviltante abutre
Para ter a paga devida
Pela destruição da vida
Por distorcer na mente em formação
Dos nossos jovens e crianças
O sentido da verdade e da justiça

E será pra nossa mente sossego
Saber haver lei sem engano
Para o bandido mais hediondo
Aquele que tendo a oportunidade
Negou agir com a verdade
E atender ao anelo dos povos
Por paz, justiça e igualdade

E em cárcere comum
Terão por companheiro de sela
O fantasma da consciência
(ainda que se duvide de sua existência)
A assombrar-lhe de noite e de dia
E ser-lhe-a por juizo severo
Em flagelo e tormento eterno

Pelo bem que não se fez
Pelo pão que se negou
Do pranto que não calou
Do direito que usurpou
E das vidas que violou.

NUVÉNS

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Encontro-me quando alcanço as minhas verdades. Ainda que meia amarelas, não tão exatas, mas sinceras. Meus defeitos não são tão ruins, minhas virtudes tem fim. Vou me denunciar. Vou renovar meu vocabulário, vou tirar as roupas velhas do armário, vou completar meu álbum antigo, não vou mais me sabotar.
Volto ao meu encontro, antes bailarina, depois medicina. Hoje simplesmente eu. E desde sempre sonhos. E para sempre vejo, menina deitada no chão, vendo as nuvens passar.
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RAJADAS

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Rajadas de metralhadoras, rajadas de mentiras, guerrilha e sangue, senado, câmara e quadrilhas. Morre no morro aquele garoto tão tenro, morre sem chances no país do futuro. Um tiro na cabeça em horário estudantil. Na escola caindo os pedaços em estado sub-humano, transformada em barricada do cangaço urbano. Finda a luta do menino, morador da favela com sobrevivência extraída sob chuva e sol em dura lida de farol em farol. Mais um brasileiro executado entre bandidos e soldados, sem rosto, sem voz, sem vida... Quem disparou a arma? Quem fechou os seus olhos? Quem chorou no seu velório? Os burgueses fingem não ver, os políticos fazem discursos e a vida vai levando o mesmo curso e o descaso cobrando seu alto custo.
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VILAREJO

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Minha alma é uma cidade velha, habitada por minhas escolhas. Nesta cidade, tenho ruas belas, jardinadas. Colho sempre flores perfumadas e algumas vezes raras. Mas não está de todo saneada. Há ruas escuras, esburacadas. Me esquivo o máximo destes limites, mas nem sempre é possível.
É necessário passar por ali, ver os danos da enxurrada, a erosão da terra arrasada. Arrancar com mão e pá todo o entulho acumulado. Às vezes sozinha consigo pequenos bons progressos, mas na maioria das vezes é preciso auxílio. O trabalho é árduo, imprescindível. Administrar a cidade da alma é um desafio. Mas sei que caminho rumo ao progresso. Um dia, me torno uma cidade fortificada, devidamente ordenada, sem brechas, escombros ou pinchações nas faixadas.
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PONTE


Dentro em mim
.....Há dois mundos
..........entre eles: um Abismo
......... A razão que a tudo controla
...............E o mundo emocional que discorda
.......................

...............................Há guerras
...................................Estopins estratégias
..........................................Só não há paz
.....................................................Pois a Razão interroga
...........................................................Todo impulso - espontâneo
....................................................................Pondera, mede os pros
...........................................................................e os contras
..................................................................................E só depois comanda
.............................................................................................Conforme sua análise métrica
..........................................................................................................E o mundo Sentimento
....................................................................................................................Acuado
............................................................................................................................Devolve
.......................................................................................................................................Irracionalmente
....................................................................................................................................................Tensão
..........................................................................................................................................................Depressão
.............................................................................................................................................Faz-se o Abismo

....................................................................................................................................E a poderosa Razão
............................................................................................................................vagueia
............................................................................................................Sem as rédeas da vontade,
..................................................................................................E o ciclo se renova
........................................................................................Pois o Sentimento andarilho
.............................................................................Também se recente a deriva
...........................................................Sem a guia da realidade.

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IMERSÃO

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Debruçada sobre tuas ânsias, minha mente segue as instâncias dos teus processos, protestos e diagnósticos do teu eu reverso. Espero e velo que ao mergulhar nas profundezas da tua alma aflita, meu eu desvie dos teus termos, dos teus males - mal resolvidos amores e arranque das tuas entranhas o teu ermo sulfuroso e estanque o mal das tuas dores - incontidos dissabores. Assim contenha a tristeza que pare diariamente a tua morte precoce, o teu aborto emocional . Para que a lucidez que lhe resta, te seja por sementeira para a longa jornada nesta terra derradeira onde tuas angústias em negras nuvens, arrastadas em rajadas ventanias, como a luz da aurora desfaça as trevas da tua existência. E em tua amarga história que confunde a melodia das tuas rimas frias e da tua voz balbuciante reflita em tua longa trajetória e introspecto derrame teus lamentos em infame lama dando fim a tuas queixas. Para que enfim te ponhas resoluto, retira a dor dos teus olhos pleiteia outras causas, para se moldar e forjar favorável entre dores e lágrimas tua nobre alma, branda e inabalável.

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ESTILO DESCARTÁVEL

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No trânsito do carro e do passo, no corredor da vida individual, há gemidos de dor e de fome , há clamor por um valor igual. Enquanto Versace versa a moda, a miséria incomoda o estilo dos descartáveis. As oportunidades são brechas em um muro blindado, a chance é um risco, o mundo é um circulo fechado. Igualdade é tese sempre na moda, vestida em várias bandeiras, discurso farto de uma prática vazia, inversão de valores, infestação de preconceitos em civilizada hipocrisia.

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SENTIMENTO

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Sou eu assim, rio de sentimentos sem fim. Cor e emoção dos meus poros minam. Sou talvez apenas, um frágil lamento da emoção que se contém . Pois para sentimentos não se tem tempo ou se há, não é tocado, por ser um terreno minado. As coisas da alma, nem sempre são as coisas da fala quando disfarça vazia a imensa solidão. Mas se sentir é tormento e um tormento solitário, sentirei em mim a alegria de falar dessa enxurrada que muitas vezes escoa na vala da incompreensão. Mas se todos também sentem qual seria a explicação? Que diante da máquina fria ou da urgência do dia, o coração se esvazia e perde a sua vez? Porém, eu sonho ainda com ternos momentos sentada ao meu fio, passar horas a fio a falar de sentimento. E quando não restar mais nada a dizer, encostar de vagarinho no teu cúmplice ombro com a alma saciada e ver o dia amanhecer.
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CUIDADOS

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Quando perto, é um porto longe... partes minha alma, despedaças meu coração. Quando longe, são longos demais os dias e as noites, aperta a solidão. Sim, eu sei. Não é desamor. É o tempo, é posse... é esse costume qual bom perfume, que por mais caro e por mais raro, vicia os sentidos e não se percebe mais. Cuida das nossas coisas. Cuida do nosso amor. Ainda que em aliança sincera, recente-se da espera e pede tempo e mais calor.
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INDIFERENÇA

É difícil dizer o ser diferente
No indiferente de cada um
Que ao buscar a diferença
Caem sempre no comum.

É comum não ser igual
É normal não ser comum
E a nada se compara
Absurda existência
Cada mundo, tem seu motivo
Cada vida, um desatino

Fútil, em vazia busca
Individual, inultimente,
Exclusivo e obscuro
Segue sempre,
Omisso, cego e indiferente.

(simone gois)

ENGODO

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Caídas as máscaras do falso riso do folhetim da manipulação, teremos mais tempo a refletir e inquirir aos inimigos da nação. Os que não vieram à servir, os que enganam e fazem rir a quem também optou por mentir a si mesmo e para seu irmão. E se negam a enxergar a realidade posta à mesa: Subdesenvolvimento, Violência e Pobreza. Sentença há muito imposta por manipuladores da lei, cruéis, vorazes sem resposta. Parasitas intratáveis, traidores covardes, consumidores do suor operário. Maestros desafinados da subvida, subdesenvolvimento. Sem pátria, sem nome, ou moralidade. Mas há de chegar o dia, que em suas condutas indecentes, há de ser banido para sempre o opressor do aflito, o corruptor de inocentes. Com suas imundícies expostas a escorrer como fossas a qual causa repugnância a quem quer que verifique a decomposição da decência: mal cheiro, podridão e detrito.
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TERAPIA SEBASTINIANA

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O mal do século é a depressão. E quem não sabe disso, nestes nossos dias de pressões. Chega a ser tão grave, que o assunto é bastante abordado nos meios de comunicação. Aqueles que sofrem deste mal e possuem condições financeiras, lotam os consultórios de analistas, psicólogos e até psiquiatras em busca de auxílio. É um caminho a seguir. E quem não pode? Hoje que sou adulta, que já amarguei como um bom ser humano contemporâneo, minhas cotas de tristeza, sei que depressão é uma vala na alma, um abismo de dor infindável, um vazio. Vazio que de tão vasto, se preenche. Enche de amargura, de uma sensação de nada, que violenta qualquer existência. Nunca fui à analista, embora já tenha até pensado nisso. Às vezes me imaginava sentada em um consultório, falando de mim para um profissional. A idéia nunca me soou agradável, pelo contrário, fria e desconfortável e até desconcertante. Então eu mesma me explicava, que não é bem assim, com a ciência avançada, temos um especialista para cada assunto. Especialista para questões físicas, químicas, da psiquê, da alma, das causas. Enfim, fiquei neste dilema, que passou a ser mais uma das questões não resolvidas em minha vida. Mas o interessante, é que pensando nestas questões, lembrei-me da minha mãe. Uma mulher muito simples, uma mulher alegre. Alegre mesmo. Onde ela estava, era sempre a alma da festa. E isso não é porque não tivesse problemas. Tinha-os. E eram muitos. Problemas financeiros, problemas com a saúde, problemas familiares, que não vem ao caso citar, mas eram bem sérios. Se fosse eu que os enfrentasse hoje, não suportaria. Então, por que minha mãe sempre conseguia esbanjar, alegria, energia e sorrir com tanta liberalidade como ela fazia? Lembrei-me então que minha mãe não guardava mágoa na geladeira para saborear mais tarde, não aprisionava os desgostos na mente para virar tumor, não maquiava aparências para as vizinhas não saberem de suas turbulências e sofrimentos. Antes de tudo, havia uma franqueza em seus gestos e palavras que me impressionava. Diante de nós, seus filhos, e de suas amizades, falava abertamente de suas dores, decepções, erros, acertos, martírios, desgostos, injustiças e sonhos. E narrava de tal forma, que prendia os expectadores a ponto de arrancar de alguns lágrimas, de outros aplausos. Mostrava-se humana. Por mais que falasse de uma falha sua, de uma vacilo feio, não se podia olhar pra ela como uma pecadora, era tão sincera e nobre em suas sentenças, que dos seus abismos ressurgia gloriosa. Creio que sua maior glória, foi o perdão, ela sabia perdoar e recomeçar, sempre. Mas o fato é que assisti, por vários anos, minha mãe usar e abusar da terapia da pobreza, não represar as tristezas, mas falar aberta e francamente, e ser capaz de rir até quando o riso não cabia. Colocava pra fora todo lixo que a vida lhe empurrava, se limpava, se desintoxicava, e podia dormir sem antidepressivos. Sua auto exposição para muitos hoje seria considerada vulgar e inútil, mas eu que acompanhei parte de sua trajetória, sei que ela exercia um método que hoje muitos pagam caro nos consultórios de luxo. Embora boa parte de seus problemas nunca tenham sido resolvidos, ela não perdeu a alegria de viver, não contaminou outras fontes da sua alma, e ainda pôde plantar e colher esperança.




(simone gois)